A Desordem do Estresse Pós-Traumático Complexo (Complex post-traumatic stress disorder, CPTSD, na sigla em inglês ou DEPT-C em português) é um transtorno psicológico que se desenvolve após uma pessoa ser exposta a traumas prolongados e repetidos, frequentemente ligados a relações interpessoais disfuncionais.
A desordem ou o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) ficou bastante conhecida quando veteranos de guerra voltavam dos campos de batalha com graves sequelas psicoemocionais. Esse tipo de sequela, porém, pode acontecer com qualquer pessoa devido à exposição a um evento traumático, como um assalto ou acidente grave.
Mas quando os eventos traumáticos são frequentes e prolongados, principalmente começando na infância, como abuso infantil, negligência emocional ou violência doméstica, esse estresse adquire um grau profundo de complexidade (adicionando a letra “C” de “Complexo” no final da sigla). Essa é a forma mais grave da sequela, o que a torna um pouco mais demorada e complicada para ser resolvida.
Segundo o psicólogo Pete Walker, um dos mais conhecidos especialistas deste tema, as características mais comuns da DEPT-C se evidenciam através destes 5 fatores: flashbacks emocionais, vergonha tóxica, o auto abandono, um crítico interno cruel e uma intensa ansiedade social. Vamos explorar um pouco mais sobre a formação, os efeitos e como resolver a Desordem do Estresse Pós Traumático Complexo.
O buraco é mais embaixo
Pete Walker, em seu livro “Complex PTSD: From Surviving to Thriving” traduzido para o português pela editora Quantum House como “Complexo Estresse Pós-Traumático – Indo de sobreviver a prosperar”, oferece uma visão abrangente sobre o tema, destacando que a DEPT-C é resultado de experiências de trauma que são repetitivas e duradouras.
O que pouca gente sabe é que existe uma quantidade enorme de diagnósticos oferecidos de forma equivocada. Quando uma pessoa está sofrendo de ansiedade ou então se queixa de compulsão alimentar, ela vai a um consultório de psiquiatra e lá recebe um diagnóstico baseado em apenas um dos efeitos de uma causa que não é tão visível. Muitas vezes, a ansiedade vem do Estresse Pós-Traumático Complexo, que desencadeia uma série de desordens, tais como ansiedade generalizada e compulsão alimentar. A mente inconsciente da pessoa está congelada no trauma, gerando uma série de flashbacks emocionais que, vistos de maneira rápida, são reduzidos a um caso de depressão, compulsão alimentar ou ansiedade.
Inclusive, muitos sobreviventes de lares abusivos, como filhos de pai ou mãe narcisista, adquirem a Desordem do Estresse Pós-Traumático Complexo e, como todos que desenvolvem essa desordem, vão precisar de um intenso e prolongado trabalho terapêutico.
Como se forma a DEPT-C
1- Trauma Prolongado e Repetitivo: falamos que a DEPT-C se origina a partir de traumas contínuos e prolongados. Diferente de um único evento traumático, como um acidente ou assalto, essa desordem é geralmente causada por exposições repetidas a situações estressantes e prejudiciais. Esses traumas contínuos podem ocorrer em contextos de abuso emocional, físico ou sexual (ou todos eles juntos), especialmente quando a vítima é dependente do agressor para suporte e segurança. Por isso que normalmente, a DEPT-C se desenvolve dentro do ambiente familiar.
2- Desenvolvimento Infantil: Crianças que vivenciam ambientes instáveis e abusivos onde existe negligência emocional e física, juntamente com abuso verbal e psicológico, pode levar essa criança a desenvolver um sistema de estresse anormal. Lembrando que não precisa necessariamente haver violência física nem verbal. Um ambiente de tensão ou invalidação não verbalizado é tão ou mais nocivo que uma violência declarada. Crianças que passam por esse tipo de trauma podem internalizar padrões de pensamento e comportamento que perpetuam o trauma na vida adulta. A vida dessa pessoa sempre vai carregar uma resposta ao trauma internalizado, trazendo uma série de problemas em todos os níveis, mental, emocional, físico, até que a pessoa compreenda e passe a interferir para mudar essa situação.
3- Fatores Relacionados à Relação: O trauma complexo muitas vezes ocorre em contextos onde a relação entre o agressor e a vítima é contínua e essencial, como no caso de abuso parental ou violência doméstica. A incapacidade de escapar do trauma e a sensação de desamparo profundo intensificam a experiência traumática e dificultam a recuperação.
Sintomas da DEPT-C
Os sintomas da DEPT-C podem ser mais abrangentes e variados do que os do Transtorno do Estresse Pós-Traumático tradicional (TEPT). Segundo Pete Walker e outros estudiosos, esses sintomas incluem:
- Revivência e Flashbacks: Embora semelhantes ao TEPT, na DEPT-C, os flashbacks podem ser mais intensos e frequentes, normalmente desencadeados por gatilhos internos e externos.
- Evitamento e Desconexão Emocional: A pessoa pode evitar pensamentos e situações relacionadas ao trauma. Também é comum uma sensação de desconexão das emoções e da realidade. A pessoa pode se dissociar da realidade ao ponto de preferir viver eventos apenas imaginários, levando-a a um efeito conhecido como Maladaptive Daydreaming ou Transtorno do Devaneio Excessivo.
- Alterações na Autoimagem e Relações Interpessoais: A vítima pode desenvolver uma autoimagem negativa, sentimento de vergonha corrosivo e dificuldades em estabelecer e manter relacionamentos saudáveis. Isso se deve à internalização de padrões negativos durante o período de trauma.
- Aumento da Excitação Mental: Os sintomas podem incluir hipervigilância, dificuldade em relaxar, irritabilidade, e reações exageradas a situações estressantes.
- Dificuldades na Regulação Emocional: A pessoa pode ter dificuldade em regular emoções, manifestando-se em raiva descontrolada, tristeza profunda ou pânico.
Consequências e Impacto
O impacto da DEPT-C pode ser devastador. Afeta não apenas a saúde mental, mas também as relações interpessoais e a qualidade de vida como um todo. Os indivíduos com DEPT-C podem ter dificuldades em manter um emprego, formar relações saudáveis e encontrar satisfação na vida. A sensação de desamparo e a baixa autoestima também podem levar a comportamentos autodestrutivos.
Como resolver? Tratamentos e abordagens
O tratamento da DEPT-C frequentemente envolve uma abordagem multifacetada e é interessante conhecer pelo menos duas dessas técnicas a seguir:
- Terapia de Reprocessamento Generativo (TRG): A TRG trabalha no reprocessamento do inconsciente e reestrutura o psiquismo de maneira profunda. Através de filmes mentais conduzidos pelo terapeuta, a pessoa reprocessa a origem das situações traumáticas e desmonta a estrutura do trauma desde a raiz. Com essa técnica é possível obter resultados permanentes e em pouco tempo se comparado com as terapias tradicionais. A TRG surgiu no Brasil e está se tornando cada dia mais conhecida, pois comprovadamente está trazendo resultados efetivos.
- Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC ajuda a identificar e modificar padrões de pensamento negativos e comportamentos disfuncionais. Uma das suas principais técnicas é a reestruturação cognitiva. Essa técnica envolve ajudar o paciente a identificar pensamentos automáticos negativos e distorcidos, questionar sua validade e substituí-los por pensamentos mais realistas e equilibrados. A reestruturação cognitiva visa alterar padrões de pensamento prejudiciais e, consequentemente, melhorar as emoções e comportamentos associados.
- Terapia de Exposição: A Terapia de Exposição é uma abordagem utilizada principalmente para tratar transtornos de ansiedade, como fobias e o próprio transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Ela funciona expondo gradualmente o paciente a situações, objetos ou lembranças que causam medo ou ansiedade, com o objetivo de reduzir a resposta de pânico ao longo do tempo. Sua principal técnica é a exposição gradual. Isso envolve criar uma hierarquia de situações que provocam medo, começando com as menos intensas e avançando progressivamente para as mais desafiadoras. O paciente é exposto a essas situações de forma controlada e repetitiva, ajudando a dessensibilizar a resposta de medo e a reduzir a ansiedade associada.
- Terapia de Processamento Sensorial: Essa abordagem terapêutica visa ajudar indivíduos a lidar com dificuldades na maneira como processam e respondem a estímulos sensoriais. É frequentemente usada para tratar condições como o Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), autismo e outras condições neurológicas. A terapia se concentra em identificar e compreender como um indivíduo percebe e reage a estímulos sensoriais (como sons, texturas e movimentos). Com base nessa compreensão, o terapeuta cria atividades e experiências sensoriais controladas para ajudar o paciente a integrar melhor essas informações e a reagir de maneira mais adaptativa. A técnica central é a exposição sensorial dirigida, que tem como o objetivo melhorar a resposta adaptativa e aumentar a tolerância a estímulos que antes causavam desconforto ou sobrecarga sensorial.
- Apoio Social e Grupos de Apoio: Participar de grupos de apoio e estabelecer uma rede de suporte pode ser crucial para a recuperação, fornecendo uma sensação de compreensão e conexão. Hoje em dia existem muitos grupos de apoio na internet onde é possível trocar experiências e abordagens terapêuticas, o que favorece significativamente a superação de traumas emocionais.
- Desenvolvimento de Habilidades de Regulação Emocional: Aprender a lidar com emoções de forma saudável é uma parte importante da recuperação. Ler e pesquisar sobre o assunto, conhecer o funcionamento da desordem do estresse no corpo, bem como as diversas abordagens terapêuticas, traz um avanço considerável em todo processo de recuperação.
A DEPT-C é uma condição complexa e debilitante, mas com tratamento adequado e suporte, é possível sim alcançar uma recuperação significativa e até mesmo efetiva, melhorando por completo a qualidade de vida. Entretanto, a recuperação de um trauma profundo como esse é um processo longo, com diversos processos e muitas camadas. Antes de tudo é preciso compreender o trauma prolongado, conhecer seu funcionamento e suas dinâmicas e aí sim adotar uma abordagem terapêutica adequada.
Existem muitas técnicas terapêuticas diferentes e é importante conhecer pelo menos mais de uma para saber qual se adapta melhor ao perfil de cada um. Por fim, adotar uma postura de responsabilidade sobre si mesmo e seguir com disciplina uma abordagem terapêutica são tarefas essenciais para superar os desafios associados a este transtorno. Com muita prática e perseverança, além de um pouco de fé, os desafios da DEPT-C podem ser superados.
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