Como lidar com personalidades de autoconflito

Pessoas com personalidade de autoconflito, independente de terem ou não diagnóstico de transtorno de personalidade, são pessoas que possuem um senso de merecimento inflado. Elas acreditam que as regras são apenas para os outros e que, simplesmente, não se aplicam a elas. Sentem-se mais importantes que qualquer um e acham que só têm que fazer aquilo que querem.

É assim que essas personalidades se colocam no mundo: como se nós tivéssemos obrigação de fazer o que eles querem, na hora que querem e que as regras que existem no mundo, não são feitas para eles.

E é claro que nossa convivência com gente assim vai apresentar alguns efeitos colaterais. Quando falo “nossa convivência”, me refiro a nós que trazemos algum tipo de trauma de abandono ou de não merecimento. Ou a “nós” que viemos de lares visivelmente abusivos e de fato trazemos a chaga de sermos filhos de pai ou mãe narcisista.

Ao conviver com personalidades de autoconflito sentimos um monte de respostas emocionais fortes. E o que acaba acontecendo é que não bancamos essas respostas emocionais e sucumbimos, fazendo o que a personalidade de autoconflito quer.

Para não entrarmos numa bolha de auto sacrifício e auto anulação (que nos deixa péssimos e morbidamente fragmentados), a única saída é não ceder aos favores que eles cobram. Em outras palavras, precisamos bancar a punição.

Precisamos nos manter lúcidos conforme atravessamos o fogo (porque sim, vamos precisar atravessar o fogo). E mais do que isso, vamos ter que ouvir e atender o que nossa bússola interna está pedindo. (Nossa bússola interna fala baixinho, sussurrando e precisamos ficar em silêncio para ouvi-la). Mas teremos que bancar isso se quisermos mesmo seguir nossa verdade. É isso ou voltar para o ciclo de abuso.

Mudar a maneira de se portar perante uma personalidade exigente e conflituosa, é a única forma de viver uma vida com autonomia e leveza. Pela minha experiência (e eu aprendi alguma coisa sendo filha mãe narcisista), podemos fazer essa mudança passo a passo, um pouquinho por dia, sem precisar tomar grandes decisões mirabolantes. A gente dá uma resposta diferente para essa pessoa, algo que siga a nossa necessidade e não a dela. E isso vai incomodar bastante (a nós principalmente). Porém, nos mantendo firmes e nos acolhendo de forma incondicional, abraçando mentalmente nossa criança, a gente consegue sim.

Precisamos saber que bancar nossa verdade interna, seguir nossa bússola, vai nos exigir coragem para bancar as tempestades de fogo e punição que certamente virão. Quando decidimos sair da bolha de encolhimento que nos metemos para agradar essas “personalidades exigentes”, precisamos ter em mente que estamos nos preparando para uma guerra. Sim, porque sofreremos punição de alguma forma. Se a gente começa já sabendo disso e se munindo internamente, fica mais fácil (ou menos terrível).

Na minha jornada de libertação já caí muitas vezes mas a cada vez que me levanto, vou ficando mais forte, mais astuta e treinada. E toda vez que me deparo com esse tipo de personalidade, imediatamente aciono meu circuito de vigilância, me armando de lucidez e me apropriando de mim mesma, me revestindo com a armadura da consciência.

Claro que evito o máximo dialogar com esse tipo de gente, mas se não tenho outra escolha, aciono todo esse mecanismo no intervalo de tempo de uma respiração profunda e aí vou em frente. Mantenho a seriedade, economizo sorrisos já sabendo que eles vão armar ciladas o tempo todo, vão tentar apertar meus botões, vão fazer jogo de inversão e usar violência passiva. Com cara de paisagem, vou pulando e me esquivando como num videogame, mantendo a calma e a atenção. Na primeira brecha, digo que estou atrasada e saio dali o quanto antes.

Nunca é demais lembrar que não podemos nos demorar junto a essas pessoas sob o risco de deixarmos nossa sanidade abalada e nos intoxicarmos energeticamente. Esse tipo de gente possui uma mentalidade invertida e uma energia perversa que, de verdade, causa dano.

Durante a conversa, não esmoreça. Se atacarem, não revide. Seja firme na sua fala, economize nas palavras e desvie dos fios desencapados. Tente ser desinteressante. Não fale de você, muito menos sobre seus planos e metas. Deixe eles falarem, dê respostas evasivas e saia. Sim, saia dali o quanto antes e acredite: com o tempo você vai se capacitar cada vez mais na arte de lidar (ou de se esquivar), de personalidades de autoconfito. Afinal, o ideal mesmo é não ter que se relacionar com eles e sim, saber “lidar” para conseguir “pular fora”.

A cura do abuso narcisista

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O conceito de Eu Verdadeiro, Self ou Centelha Divina é particularmente útil no caso de sobreviventes de abuso narcisista. Isso se dá porque o objetivo do abuso narcisista é justamente afastar o indivíduo de si mesmo. O Eu Verdadeiro é a sua própria essência, seu próprio lar e a cura é voltar para esse lar. A cura do abuso narcisista é sempre a mesma: voltar para nossa bússola interna, que é nossa identidade, o reservatório dos nossos valores, aquele que sabe quais são nossas verdadeiras necessidades e também qual é o próximo passo.

Jung também trabalhava com o conceito de uma essência para além da matéria que existe em cada pessoa e ele chamava essa essência de Self. O Eu Verdadeiro ou o Self, nada mais é que a fonte eterna de Luz, Amor e Sabedoria que existe dentro de mim e de você. Esse Eu essencial é o nosso eixo, nosso centro de poder que nos enche de calma e coragem e que inclusive, possui todos os meios para curar cada aspecto da nossa vida.

Esse Eu Verdadeiro que nós Somos não se limita ao nível do ego e da personalidade. Ele não se abala com traumas e distorções porque ele é gigantesco e existe no nível do transcendente e está muito além da nossa compreensão. Isso não tem nada a ver com religião, crença ou cultura e também não se limita a qualquer concepção humana criada pela mente racional.

O Eu Verdadeiro, Self, Centelha, vai muito além do que conseguimos conceber pois transita na esfera do ilimitado e do imponderável. Ele sabe que jamais podemos nos separar da Fonte Primordial (também conhecida por Deus). Chame do que quiser, o nome não importa. Basta saber que Somos Um com a Fonte, mas vivemos com a impressão de que não somos. É o ego, nossa parte medrosa e controladora, que faz a gente pensar que estamos separados da Fonte, quando na verdade isso é impossível.

Então, esse trabalho de se reconectar com nossa essência não se destina apenas àqueles que sofreram traumas. Esse trabalho se destina a todo ser humano que caminha sobre a Terra. Todos nós, em maior ou menor grau, carregamos a ilusão de que estamos separados. Pensamos inclusive que eu e você somos seres distintos, sendo que, em última instância, somos todos um só Ser, vivendo experiências individualizadas e temporariamente humana. Poderíamos vasculhar esse assunto interminavelmente, mas não é essa a proposta no momento.

O importante é lembrar que não estamos separados, mas que essa distorção de separação trazida pelo ego, é a base de todos os problemas humanos. E já que todo narcisista é um indivíduo que tem o ego adoecido, logo não é difícil constatar que ele leva essa distorção às últimas consequências. O narcisista amplifica o erro numa escala colossal e se transforma num agente de adoecimento do mundo.

Já que é muito difícil consertar o erro de percepção de uma mente deformada, como é o caso da mente narcisista, precisamos empregar nossa energia naquilo que tem potencial de dar certo, ou seja, corrigir a mente que o ego adoeceu mas que não deformou completamente. No caso, a nossa. Todo ser humano precisa corrigir esse erro de interpretação e, no caso daqueles que sofreram traumas, (mas não distorceram completamente), esse trabalho de correção precisa ser feito com um pouco mais de atenção e de cuidado.

Nós, que convivemos com a mente deformada do narcisista, ficamos bastante bagunçados, de fato, porém ainda temos chances. E precisamos utilizar todos os recursos disponíveis: o conhecimento sobre o assunto, diversos tipos de terapia e principalmente de autoconhecimento e exercícios práticos. Hoje em dia existem muitos recursos, coisa que não existia há 10 anos atrás. Mas mesmo tendo recurso, fazer uma correção como essa dá muito trabalho, leva tempo e não é tarefa para preguiçosos.

E tem mais. Precisamos tomar cuidado para não nos iludir nessa estrada que leva à cura emocional e à libertação psicológica. Todo conhecimento sobre a dinâmica narcisista vindos da psicologia, da psicanálise e de outras abordagens, são fundamentais, é certo que sim, entretanto, como toda teoria e manancial de informação, correspondem a 30% do nosso trabalho. Os outros 70% é pura prática feita diariamente, com persistência e vontade. A prática exige de nós muita auto observação e a auto regulação emocional, cujo treino precisa ocorrer apenas todos dias e minutos da nossa vida.

Nossa ferramenta com defeito

 

Quem foi criado por pai ou mãe narcisista, tem dificuldade de identificar quais são as suas próprias necessidades e aquilo que é alinhado ou não com sua bússola interna*. O uso da palavra bússola interna é muito usado nos programas de apoio a sobreviventes de narcisismo e faz uma referência ao nosso centro de identidade, também conhecido como Essência, Self, Alma ou Eu Superior.

Por termos ficado com nosso senso de identidade bagunçado, anulado, às vezes destroçado, a principal busca dos filhos de pais narcisistas precisa ser a independência psicológica com relação a seus pais. E essa foi a minha busca também, mesmo que no início, eu não tenha entendido direito que era isso que eu precisava.

Identificar e satisfazer nossas próprias necessidades é um desafio gigante para nós que vivemos esse tipo de abuso. Somente com muito treino, junto com o estudo de materiais especializados que explicam como funciona essa dinâmica, é que conseguimos, aos poucos, atingir a libertação emocional e psicológica.

Curso salva-vidas

No início da minha jornada de cura, quando ainda estava chocada, estarrecida, em completo estado de consternação pela descoberta do narcisismo na minha família, busquei toda ajuda possível. No meu caso a única ajuda possível estava na internet (e se a gente for pensar bem, isso não é tão pouca coisa considerando que há poucos anos atrás, esse assunto não estava disponível em lugar algum). Chorando dentro de casa, com o medo instalado no corpo, comecei minha jornada vendo vídeos no Youtube. Com fome de sobrevivente, assisti todos os vídeos que pude, consumi todo material que havia gratuito e que eu dava conta de assimilar.

Dentre as pessoas que me ajudaram a salvar a vida, uma das mais relevantes foi a psicanalista Taryana Rocha. Ela foi uma pioneira no Brasil a falar sobre narcisismo materno, e contribuiu imensamente ao começar a traduzir para o português textos e artigos que só existiam em inglês e que eram de difícil acesso. Há mais de 15 anos a Tary estuda e trabalha com este assunto, e na atualidade ela é uma das maiores referências quando o assunto é oferecer um caminho de libertação da prisão emocional que o narcisismo traz.

Não posso deixar de falar da Tary porque meu coração clama de gratidão pelo trabalho dela. Ela tem centenas de vídeos gratuitos na internet e oferece também cursos sobre narcisismo, tanto voltados para sobreviventes quanto para terapeutas. Na época fiz o curso específico para sobreviventes de mães narcisistas, onde a Tary propõe uma série de exercícios associados a uma estrutura de conhecimento teórico. E são essas duas coisas juntas, exercício prático e conhecimento teórico, que formam a base do caminho gradativo de cura e libertação para pessoas que viveram um trauma tão profundo.

Descobri sobre o narcisismo em 2019 e em 2020, isolada na pandemia, comprei o curso e coloquei toda minha energia nos exercícios propostos pela Tary. É impressionante como a nossa mente fica bagunçada depois de conviver por anos com narcisistas. E não é por acaso que a principal mensagem do curso dela é: “Quando a sanidade da mente é restaurada ela toma decisões corretas”. 

Essa afirmação realmente é um eixo de poder que norteia o caminho de resgate e libertação que precisamos percorrer. Somente quando restauramos a mente é que podemos ter discernimento de qual caminho tomar, e saber quando dizer sim e quando dizer não. E não é exagero afirmar que a nossa mente fica mesmo extremamente bagunçada por ter convivido por anos com a perturbação da mente narcísica.

Luz no fim do túnel

Entretanto, à medida que caminhamos na trilha da restauração emocional, passamos a perceber que nossa mente sabe sim o que é certo e o que é errado. Existe um marcador dentro de nós que precisamos aprender a escutar. De acordo com a Tary (e eu concordo totalmente), todos nós nascemos com uma bússola interna que é capaz de nos informar sobre o que é adequado, e sobre o que não é adequado para nós. Essa bússola, ou voz interna, nos comunica através da intuição e também através de respostas emocionais e fisiológicas.

Vou dar um exemplo de resposta fisiológica: quando vamos falar com uma pessoa que aparentemente é alguém legal, mas quando a gente vai falar com essa pessoa, percebemos nosso batimento cardíaco acelerando e a garganta ficando travada. Essas reações esquisitas são sinais fisiológicos claros que nos alertam sobre a possibilidade de tal pessoa não ser tão boa quanto parece, ou então que ela pode ser boa, mas que por algum motivo ela nos aciona gatilhos de trauma (os famosos flashbacks emocionais).

Ferramenta com defeito

Embora todos nós tenhamos nascido “de fábrica” com essa bússola interna, quando se trata de filhos de pais narcisistas, essa ferramenta fica com defeito. Isso porque ao ficarmos expostos por muitos anos a uma atmosfera abusiva, nós filhos, perdemos a conexão com nossa bússola interna. Ainda que ela continue existindo, nós não conseguimos acessá-la. E todos os problemas que colecionamos durante a vida se originam dessa desconexão.

Com o marcador interno desregulado, nossa intuição e todas as experiências emocionais e físicas que nos conectam com a realidade, ficam distorcidas, interrompidas ou prejudicadas. A gente se perde de quem a gente é e se enreda num conflito interno entre ser fiel ao nosso Eu Verdadeiro (Self/Essência/Bússola) ou ser fiel aos nossos pais e à nossa família. Nesse conflito de lealdade entre nós e nossa família, acabamos abrindo mão do contato natural que temos com nosso Self, ou a bússola que nos orienta, que é a sede da nossa lucidez, discernimento, sabedoria e intuição.

Então toda busca dos filhos de pais narcisistas precisa necessariamente caminhar no sentido de se reconectar com essa bússola, o Eu Verdadeiro ou o Self. E precisamos exercitar essa reconexão várias vezes por dia, todos os dias, incansavelmente, até que ela se restabeleça definitivamente, não importa quanto tempo isso leve. 

Restaurando o aparelho

E é muito interessante perceber que de fato, nossa mente sabe se curar do abuso narcisista sozinha, contanto que ela esteja sã. A sanidade da nossa mente não deixa de existir, ela só fica escondida ou temporariamente inacessível. A única coisa que precisamos fazer é nos conectar com a parte da nossa mente que tem a sanidade ou essa informação. Essa parte da nossa psique que sabe nos curar e sabe o que fazer é o que chamamos de bússola interna. A bússola é a Própria Centelha Divina ou o Eu Verdadeiro. Tudo o que precisamos fazer é entrar em estado de silêncio e ouvir o sussurro do Eu Verdadeiro em nosso interior. Sim, é simples (mas nem tudo que é simples é fácil). Essa prática exige treino. Principalmente porque temos muita dificuldade para ficar em silêncio.

Pois bem. Devido aos nossos traumas de abandono, acabamos sendo leais às expectativas dos outros ao invés de nós mesmos, e assim acabamos abrindo mão da conexão entre nossa psique e a nossa bússola interna. E é por isso que a gente vai ter que treinar, sistematicamente, para restabelecer essa conexão. 

Podemos considerar esse processo sendo muito parecido com o de ir para a academia pela primeira vez. É óbvio que não veremos resultados imediatos e teremos que repetir os exercícios durante meses antes de realmente ver algum tipo de transformação. Por isso devemos repetir essa habilidade consistentemente até que ela se torne um hábito que vai nos acompanhar para o resto da vida.

Quando nos conectamos com nosso centro interno de direção, nossa mente finalmente consegue pensar de forma lúcida e distinguir exatamente qual caminho tomar. Inclusive, sem precisar esperar que uma autoridade externa nos diga o que é certo e errado. 

Saber qual caminho tomar, saber quando dizer sim e quando dizer não é, sem dúvida, o maior economizador de tempo, energia e sofrimento que devemos conquistar. Voltar à lucidez (ou adquiri-la pela primeira vez) é a base de uma nova vida de liberdade com inúmeras possibilidades.

Desejo que todos nós possamos retornar ao lar do nosso Eu Verdadeiro, à vida lúcida e repleta de amor, satisfação e autonomia que está ansiosamente nos aguardando.

O que é DEPT-C?

A Desordem do Estresse Pós-Traumático Complexo (Complex post-traumatic stress disorder, CPTSD, na sigla em inglês ou DEPT-C em português) é um transtorno psicológico que se desenvolve após uma pessoa ser exposta a traumas prolongados e repetidos, frequentemente ligados a relações interpessoais disfuncionais. 

A desordem ou o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) ficou bastante conhecida quando veteranos de guerra voltavam dos campos de batalha com graves sequelas psicoemocionais. Esse tipo de sequela, porém, pode acontecer com qualquer pessoa devido à exposição a um evento traumático, como um assalto ou acidente grave. 

Mas quando os eventos traumáticos são frequentes e prolongados, principalmente começando na infância, como abuso infantil, negligência emocional ou violência doméstica, esse estresse adquire um grau profundo de complexidade (adicionando a letra “C” de “Complexo” no final da sigla). Essa é a forma mais grave da sequela, o que a torna um pouco mais demorada e complicada para ser resolvida.

Segundo o psicólogo Pete Walker, um dos mais conhecidos especialistas deste tema, as características mais comuns da DEPT-C se evidenciam através destes 5 fatores: flashbacks emocionais, vergonha tóxica, o auto abandono, um crítico interno cruel e uma intensa ansiedade social. Vamos explorar um pouco mais sobre a formação, os efeitos e como resolver a Desordem do Estresse Pós Traumático Complexo.

O buraco é mais embaixo 

Pete Walker, em seu livro “Complex PTSD: From Surviving to Thriving” traduzido para o português pela editora Quantum House como “Complexo Estresse Pós-Traumático – Indo de sobreviver a prosperar”, oferece uma visão abrangente sobre o tema, destacando que a DEPT-C é resultado de experiências de trauma que são repetitivas e duradouras.

O que pouca gente sabe é que existe uma quantidade enorme de diagnósticos oferecidos de forma equivocada. Quando uma pessoa está sofrendo de ansiedade ou então se queixa de compulsão alimentar, ela vai a um consultório de psiquiatra e lá recebe um diagnóstico baseado em apenas um dos efeitos de uma causa que não é tão visível. Muitas vezes, a ansiedade vem do Estresse Pós-Traumático Complexo, que desencadeia uma série de desordens, tais como ansiedade generalizada e compulsão alimentar. A mente inconsciente da pessoa está congelada no trauma, gerando uma série de flashbacks emocionais que, vistos de maneira rápida, são reduzidos a um caso de depressão, compulsão alimentar ou ansiedade.

Inclusive, muitos sobreviventes de lares abusivos, como filhos de pai ou mãe narcisista, adquirem a Desordem do Estresse Pós-Traumático Complexo e, como todos que desenvolvem essa desordem, vão precisar de um intenso e prolongado trabalho terapêutico.

Como se forma a DEPT-C

1- Trauma Prolongado e Repetitivo: falamos que a DEPT-C se origina a partir de traumas contínuos e prolongados. Diferente de um único evento traumático, como um acidente ou assalto, essa desordem é geralmente causada por exposições repetidas a situações estressantes e prejudiciais. Esses traumas contínuos podem ocorrer em contextos de abuso emocional, físico ou sexual (ou todos eles juntos), especialmente quando a vítima é dependente do agressor para suporte e segurança. Por isso que normalmente, a DEPT-C se desenvolve dentro do ambiente familiar.

2- Desenvolvimento Infantil: Crianças que vivenciam ambientes instáveis e abusivos onde existe negligência emocional e física, juntamente com abuso verbal e psicológico, pode levar essa criança a desenvolver um sistema de estresse anormal. Lembrando que não precisa necessariamente haver violência física nem verbal. Um ambiente de tensão ou invalidação não verbalizado é tão ou mais nocivo que uma violência declarada. Crianças que passam por esse tipo de trauma podem internalizar padrões de pensamento e comportamento que perpetuam o trauma na vida adulta. A vida dessa pessoa sempre vai carregar uma resposta ao trauma internalizado, trazendo uma série de problemas em todos os níveis, mental, emocional, físico, até que a pessoa compreenda e passe a interferir para mudar essa situação.

3- Fatores Relacionados à Relação: O trauma complexo muitas vezes ocorre em contextos onde a relação entre o agressor e a vítima é contínua e essencial, como no caso de abuso parental ou violência doméstica. A incapacidade de escapar do trauma e a sensação de desamparo profundo intensificam a experiência traumática e dificultam a recuperação.

Sintomas da DEPT-C

Os sintomas da DEPT-C podem ser mais abrangentes e variados do que os do Transtorno do Estresse Pós-Traumático tradicional (TEPT). Segundo Pete Walker e outros estudiosos, esses sintomas incluem:

  1. Revivência e Flashbacks: Embora semelhantes ao TEPT, na DEPT-C, os flashbacks podem ser mais intensos e frequentes, normalmente desencadeados por gatilhos internos e externos.
  2. Evitamento e Desconexão Emocional: A pessoa pode evitar pensamentos e situações relacionadas ao trauma. Também é comum uma sensação de desconexão das emoções e da realidade. A pessoa pode se dissociar da realidade ao ponto de preferir viver eventos apenas imaginários, levando-a a um efeito conhecido como Maladaptive Daydreaming ou Transtorno do Devaneio Excessivo.
  3. Alterações na Autoimagem e Relações Interpessoais: A vítima pode desenvolver uma autoimagem negativa, sentimento de vergonha corrosivo e dificuldades em estabelecer e manter relacionamentos saudáveis. Isso se deve à internalização de padrões negativos durante o período de trauma.
  4. Aumento da Excitação Mental: Os sintomas podem incluir hipervigilância, dificuldade em relaxar, irritabilidade, e reações exageradas a situações estressantes.
  5. Dificuldades na Regulação Emocional: A pessoa pode ter dificuldade em regular emoções, manifestando-se em raiva descontrolada, tristeza profunda ou pânico.

Consequências e Impacto

O impacto da DEPT-C pode ser devastador. Afeta não apenas a saúde mental, mas também as relações interpessoais e a qualidade de vida como um todo. Os indivíduos com DEPT-C podem ter dificuldades em manter um emprego, formar relações saudáveis e encontrar satisfação na vida. A sensação de desamparo e a baixa autoestima também podem levar a comportamentos autodestrutivos.

Como resolver? Tratamentos e abordagens

O tratamento da DEPT-C frequentemente envolve uma abordagem multifacetada e é interessante conhecer pelo menos duas dessas técnicas a seguir:

  1. Terapia de Reprocessamento Generativo (TRG): A TRG trabalha no reprocessamento do inconsciente e reestrutura o psiquismo de maneira profunda. Através de filmes mentais conduzidos pelo terapeuta, a pessoa reprocessa a origem das situações traumáticas e desmonta a estrutura do trauma desde a raiz. Com essa técnica é possível obter resultados permanentes e em pouco tempo se comparado com as terapias tradicionais. A TRG surgiu no Brasil e está se tornando cada dia mais conhecida, pois comprovadamente está trazendo resultados efetivos.
  2. Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC ajuda a identificar e modificar padrões de pensamento negativos e comportamentos disfuncionais. Uma das suas principais técnicas é a reestruturação cognitiva. Essa técnica envolve ajudar o paciente a identificar pensamentos automáticos negativos e distorcidos, questionar sua validade e substituí-los por pensamentos mais realistas e equilibrados. A reestruturação cognitiva visa alterar padrões de pensamento prejudiciais e, consequentemente, melhorar as emoções e comportamentos associados.
  3. Terapia de Exposição: A Terapia de Exposição é uma abordagem utilizada principalmente para tratar transtornos de ansiedade, como fobias e o próprio transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Ela funciona expondo gradualmente o paciente a situações, objetos ou lembranças que causam medo ou ansiedade, com o objetivo de reduzir a resposta de pânico ao longo do tempo. Sua principal técnica é a exposição gradual. Isso envolve criar uma hierarquia de situações que provocam medo, começando com as menos intensas e avançando progressivamente para as mais desafiadoras. O paciente é exposto a essas situações de forma controlada e repetitiva, ajudando a dessensibilizar a resposta de medo e a reduzir a ansiedade associada.
  4. Terapia de Processamento Sensorial: Essa abordagem terapêutica visa ajudar indivíduos a lidar com dificuldades na maneira como processam e respondem a estímulos sensoriais. É frequentemente usada para tratar condições como o Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), autismo e outras condições neurológicas. A terapia se concentra em identificar e compreender como um indivíduo percebe e reage a estímulos sensoriais (como sons, texturas e movimentos). Com base nessa compreensão, o terapeuta cria atividades e experiências sensoriais controladas para ajudar o paciente a integrar melhor essas informações e a reagir de maneira mais adaptativa. A técnica central é a exposição sensorial dirigida, que tem como o objetivo melhorar a resposta adaptativa e aumentar a tolerância a estímulos que antes causavam desconforto ou sobrecarga sensorial.
  5. Apoio Social e Grupos de Apoio: Participar de grupos de apoio e estabelecer uma rede de suporte pode ser crucial para a recuperação, fornecendo uma sensação de compreensão e conexão. Hoje em dia existem muitos grupos de apoio na internet onde é possível trocar experiências e abordagens terapêuticas, o que favorece significativamente a superação de traumas emocionais.
  6. Desenvolvimento de Habilidades de Regulação Emocional: Aprender a lidar com emoções de forma saudável é uma parte importante da recuperação. Ler e pesquisar sobre o assunto, conhecer o funcionamento da desordem do estresse no corpo, bem como as diversas abordagens terapêuticas, traz um avanço considerável em todo processo de recuperação.

 

A DEPT-C é uma condição complexa e debilitante, mas com tratamento adequado e suporte, é possível sim alcançar uma recuperação significativa e até mesmo efetiva, melhorando por completo a qualidade de vida. Entretanto, a recuperação de um trauma profundo como esse é um processo longo, com diversos processos e muitas camadas. Antes de tudo é preciso compreender o trauma prolongado, conhecer seu funcionamento e suas dinâmicas e aí sim adotar uma abordagem terapêutica adequada.

Existem muitas técnicas terapêuticas diferentes e é importante conhecer pelo menos mais de uma para saber qual se adapta melhor ao perfil de cada um. Por fim, adotar uma postura de responsabilidade sobre si mesmo e seguir com disciplina uma abordagem terapêutica são tarefas essenciais para superar os desafios associados a este transtorno. Com muita prática e perseverança, além de um pouco de fé,  os desafios da DEPT-C  podem ser superados.

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